Juliana Arini - 26/09/2014 às 16:05
“Desde o começo dos tempos águas e chão se amam. Eles se entram amorosamente. E se fecundam. Nascem formas rudimentares de seres e de plantas. Filhos dessa fecundação. Nascem peixes para habitar os rios. E nascem pássaros para habitar as árvores. Águas ainda ajudam na formação das conchas e dos caranguejos. As águas são a epifania da Natureza. Agora penso nas águas do Pantanal. Nos nossos rios infantis. Que ainda procuram declives para correr. Porque as águas deste lugar ainda são espraiadas para o alvoroço dos pássaros. Prezo os espraiados destas águas com as suas beijadas garças. Nossos rios precisam de idade ainda para formar os seus barrancos. Para pousar em seus leitos…”
A poesia “Águas”, do escritor Manoel de Barros, parece ser uma das melhores definições para a importância do Pantanal, a maior área alagável continental do mundo. Apesar de pouco científica, a ideia das águas que se espraiam dando formas a vida é algo que mesmo um leigo pode notar com um olhar mais atento sobre a região. Porém, a inquestionável beleza cênica do Pantanal parece não tocar todos os corações e mentes. Muitas vezes quando se fala da importância dessa área úmida para o país, há os que (ainda) questionam: afinal para que serve o Pantanal?
Traduzir a importância das áreas úmidas, categoria na qual se inclui o Pantanal mato-grossense, é a missão de vários pesquisadores. Desde a década de 1980, o alemãoWolfgang Junk, ecólogo, ex-professor da universidade de Hamburgo, estuda os ambientes onde as águas reinam. Junk atua no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e desde a década de 1980 também estuda o Pantanal. É dele uma das definições mais citadas sobre o tema.
Segundo o pesquisador as áreas úmidas seriam as porções “episodicamente ou periodicamente inundadas pelo transbordamento lateral de rios ou lagos e/ou pela precipitação direta ou pelo afloramento do lençol freático, de forma que a biota responde ao ambiente físico-químico com adaptações morfológicas, anatômicas, fisiológicas e etológicas, gerando estruturas especificas e características dessas comunidades”.
Uma definição técnica, e meio árida, para explicar que áreas úmidas são grandes esponjas e reservatórios d’água. Além de regular cheias e secas, elas armazenam e purificam as águas, retém sedimentos, recarregam o nível d’água do solo, regulam o clima local e regional e também mantém uma grande biodiversidade associadas ao ritmo de suas águas.
As ameaças a proteção das áreas úmidas podem afetar outras regiões. No caso do Pantanal esse desequilíbrio interfere no regime hídrico de quase todo o país. “Muitas das chuvas do Sudeste dependem da evaporação dos rios pantaneiros. É claro que essa influência não é tão intensa quanto a dos rios da Amazônia, porém o processe de evaporação que ocorre no período de vazão do Pantanal, pode alterar as chuvas de outras regiões”, afirma Claumir Muniz, coordenador de pesquisa de ictiofauna do Projeto Bichos do Pantanal, realizado pelo Instituto Sustentar com patrocínio da Petrobras. Vale lembrar que muitos dos cursos d’água que nascem no Pantanal também desaguam nas regiões Sul e Sudeste do país.
Um dos alertas de pesquisadores, como Wolfgang Junk, é sobre a redução de proteção para as áreas úmidas brasileiras. Por falta de definição legal sobre o que seriam essas regiões, a preservação delas foi desconsiderada no texto do novo Código Florestal, Lei de n.º 12.651, de 25 de maio de 2012.
Um dos grandes problemas é o mecanismo de definição das Áreas de Proteção Permanente (APPs) – onde as matas devem ser preservadas. No novo Código Florestal, ficou definido para todo o Brasil, sem considerar que 20% do território nacional é formado por áreas úmidas, uma base de cálculo para APP que desconsidera o nível das maiores cheias.
Hoje, as APPs são calculadas apenas com base no nível médio do rio. O que em regiões como o Pantanal, onde as cheias chegam até a 6 metros, reduz drasticamente a porção de vegetação das margens a ser preservada, expõe a região a maisdesmatamento e consequentemente gera mais assoreamento.
Essa falta de proteção pode ter impactos imprevisíveis a longo prazo. As áreas úmidas são tão importantes que moldaram a civilização como conhecemos. Foram as cheias do rio Nilo, no Continente Africano, que permitiram o desenvolvimento da civilização egípcia. A fertilidade dessas áreas garantiram a continuidade da agricultura e deixaram tempo suficiente para que os homens pudessem investir em artes e tecnologias novas, medicina etc.
Uma importância que se estende até hoje por todo o planeta. As grandes turfeiras(regiões alagadiças com vegetais em decomposição) do Hemisfério Norte, por exemplo, são verdadeiras reguladores do clima global. Elas estocam grandes quantidades de matéria orgânica, onde estão toneladas de CO2 e metano - gases de grande contribuição para as mudanças climáticas. Para o professor John Couwenberg, pesquisador da Universidade de Greifswald, na Alemanha, essas regiões poderiam sozinhas reduzirem as emissões de CO2 a 100 milhões de toneladas por ano, justamente a meta doProtocolo de Kyoto, que até hoje não cumprida pelas nações signatárias do acordo.
Nos EUA e na Europa o reconhecimento da importância ecológica das áreas úmidas fez com que os governos passassem a investir em sua proteção e recomposição. Essa nações concluíram que restaurar parte dessas regiões perdidas é mais barato do que investir cada vez mais na proteção contra grandes enchentes.
Mas, o aquecimento global já pode estar afetando áreas como o Pantanal. Este ano, as chuvas ocorreram de forma atípica. A primeira impressão foi que houve uma grande cheia, pois as águas demoraram para baixar, porém na realidade o que aconteceu foram períodos de chuvas mais dispersos. “Já é um dos indícios dos efeitos das mudanças climáticas no Pantanal, ou seja, as chuvas ocorrendo fora das estações de cheia, o que regula o ritmo das águas desse ecossistema. Ao invés disso, o que percebemos em 2014 foi um deslocamento a temporal das chuvas, o que dificultou inclusive a vazão dos rios”, afirma Carolina Joana da Silva, pesquisadora e especialista em limnologia da Universidade do Estado do Mato Grosso (Unemat).
O período prolongado de cheias de 2014 poderia ser algo positivo para os peixes. “Quanto mais água, melhor para a reprodução da ictiofauna. O reflexo de muitas chuvas surge dois ou três anos depois, porém, há sempre um aumento de vida indiscutível quando os rios do Pantanal recebem mais água. Com o rio cheio existem mais abrigos, se oportuniza mais alimento e ocorre menos predação”, afirma Claumir Muniz. “O grande problema é que a cheia não tem efeitos positivos quando os rios estão assoreados”.
O assoreamento diminui a calha regular desses rios e produz um contrabalanço ao saldo positivo das cheias. Os peixes que conseguiram se reproduzirem na época das chuvas acabam desaparecendo. “No Pantanal de Cáceres, no Mato Grosso, tivemos um período de cheias bom. Porém, em alguns pontos do rio Paraguai já é possível atravessá-lo andando”, alerta Muniz.
Os rios de Manoel de Barros, que precisam de idade para formar os seus barrancos e para pousar em seus leitos, também precisam de mais proteção. Subestimar a importância do Pantanal, esses gigantesco reservatório d’águas no coração do país, pode ter consequências irreversíveis.
Fotos: Douglas Trent/
domingo, 19 de outubro de 2014
Panatanal no Brasili
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