segunda-feira, 22 de junho de 2015

Crise na Grécia

22/06/2015 10h42 - Atualizado em 22/06/2015 18h18

O que acontece se a Grécia der calote no FMI? ENTENDA a crise no país

País enfrenta 'queda de braço' com credores para receber ajuda. 
FMI, BCE e UE exigem reformas que o governo grego se recusa a fazer.

Karina TrevizanDo G1, em São Paulo

Bandeiras grega e da União Europeia em frente ao parlamento em Atenas, nesta quinta-feira (18) (Foto: Reuters/Yannis Behrakis)Bandeiras grega e da União Europeia em frente ao parlamento em Atenas (Foto: Reuters/Yannis Behrakis)

Grécia enfrenta atualmente "uma queda de braço" com os credores de sua dívida (União Europeia, Fundo Monetário Internacional e Banco Central Europeu). O impasse tem gerado o temor de que o país deixe a zona do euro e até mesmo o bloco da União Europeia.

Na última década, a Grécia gastou bem mais do que podia e pediu empréstimos volumosos para financiar suas despesas. O resultado é que o país ficou refém da crescente dívida. Nesse período, os gastos públicos dispararam, com os salários do funcionalismo praticamente dobrando. A arrecadação do governo não acompanhou o ritmo, com evasão de impostos.

Atualmente, a dívida grega é de mais de € 320 bilhões (em torno de R$ 1 trilhão) e supera, em muito, o limite de 60% do PIB estabelecido pelo pacto assinado pelo país para fazer parte do euro.

Veja abaixo perguntas e respostas sobre a crise grega:

Por que há risco de calote grego?
A Grécia tem uma dívida de € 1,6 bilhão de euros com o FMI que vence no dia 30 de junho. O valor se refere a um empréstimo pedido pelo país para financiar seus gastos. Porém, o governo grego não tem esse dinheiro em caixa. Por isso, para fazer esse pagamento depende de ajuda financeira.

Grécia poderia ter ajuda da União Europeia para fazer esse pagamento?
Sim. No entanto, uma parcela de € 7,2 bilhões em ajuda financeira à Grécia está bloqueada há meses. Essa quantia é a parte final de um pacote de € 240 bilhões de ajuda da internacional obtido pela Grécia após a crise de 2008.

Por que a Europa não ajuda a Grécia?
Para liberar a ajuda financeira, da qual a Grécia depende para pagar sua dívida e se salvar do calote, os credores exigem que o país faça uma reforma econômica. O esforço fiscal seria da ordem de € 2 bilhões.

Por que a Grécia não entra em um acordo com seus credores?
Porque o governo grego não aceita fazer as reformas exigidas pelos credores, que, por sua vez, não aceitam ceder a ajuda ao país sem que essas exigências sejam atendidas. A situação, por isso, é vista como uma “queda de braço”, como aponta embaixador Rubens Ricupero, diretor da Faculdade de Economia da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP).

Quais são as reformas exigidas pelos credores para liberar a ajuda financeira?
As medidas incluem reformas para diminuir as despesas do governo e aumentar sua arrecadação, como reduções de gastos com aposentadoria e aumento de impostos.

O sistema de aposentadoria da Grécia é visto pelo FMI como muito “caro” aos cofres públicos do país. “Os fundos de pensões gregos recebem transferências do orçamento de cerca de 10% do PIB por ano – contra a média do resto da zona do euro de 2,5% do PIB. A pensão padrão na Grécia é quase do mesmo nível da Alemanha e as pessoas, de novo na média, se aposentam quase seis anos antes na Grécia que na Alemanha. E o aumento do PIB per capita, claro, é menos da metade do nível alemão”, disse o porta-voz do FMI, Gerry Rice, em 15 de junho.

O professor Antonio Carlos Alves do Santos, do Departamento de Economia aqui da PUC-SP explica que os gregos “têm uma aposentadoria muito alta para o nível de receita gerado pela economia grega”.

Outra exigência dos credores é o aumento dos impostos no país. “É crucial ampliar significativamente o imposto básico na Grécia”, disse Rice, defendendo a alta do chamado IVA (imposto sobre o valor acrescentado), que no Brasil equivale ao IPI, ICMS e o ISSQN.

Por que o governo grego não aceita essas medidas?
A Grécia vem passando por anos de “aperto” financeiro para sair da crise. O premiê Alexis Tsipras, líder do partido de esquerda radical Syriza, foi eleito em janeiro com a promessa de acabar com a austeridade no país – ou seja, criticando as medidas de “aperto” do governo anterior. Agora, o líder se recusa a ceder às exigências por mais austeridade.

Primeiro-ministro da Grécia, Alexis Tsipras, em pronunciamento durante Fórum Econômico Mundial, em São Petersburgo, na Rússia (Foto: Grigory Dukor/Reuters )Primeiro-ministro da Grécia, Alexis Tsipras, durante
Fórum Econômico Mundial, na Rússia
(Foto: Grigory Dukor/Reuters )

“A gente tem um governo que foi eleito prometendo o paraíso, e agora se deram conta que podem oferecer no máximo o purgatório”, afirma Santos.

“Lá eles passaram por um aperto grande, com queda da renda per capita, do nível de vida. É uma condição difícil mesmo. Reconheço que se deveria ter evitado chegar a esse ponto a que se chegou. A Grécia até agora pagou um preço muito alto”, diz Ricupero.

O que acontece se não houver acordo e a Grécia der o calote?
O país poderia declarar sua própria moratória – semelhante ao que foi feito na Argentina em 2002. “A Argentina, quando declarou a moratória, quando fez aquela negociação muito dura com os credores, havia gente que dizia que tinha sido um exemplo, que os argentinos haviam mostrado o que se deveria fazer. Mas, ao que me consta, ninguém fez o mesmo que a Argentina – que até hoje não voltou aos mercados internacionais”, compara Ricupero.

Uma das consequências para a Grécia poderia ser a saída do país da zona do euro, o que seria inédito na história do grupo europeu. “Nesse cenário, teríamos pela primeira vez um caso de ruptura, em que a Grécia seria desligada do sistema de créditos bancários do BCE. Todos os bancos gregos dependem da contínua assistência do BCE”, diz Ricupero.

E a situação poderia desencadear uma “corrida” das pessoas aos bancos para retirar seu dinheiro, com medo de que as instituições quebrem ou que comecem a haver impedimentos para fazer saques.

Na semana encerrada em 19 de junho, os gregos, assustados com as dificuldades das negociações, sacaram mais de € 3 bilhões de suas contas em bancos no país.

Qual seria a consequência para outros países da zona do euro se a Grécia saísse do grupo?
“Se a Grécia é obrigada a deixar a União Europeia, ela abre a porta de saída que poderá ser utilizada para países que também têm dificuldades econômicas”, afirma Santos, citando outros exemplos de países da UE com a economia mais frágil, como PortugalEspanha e Irlanda.  “O fato desses países estarem em situação muito melhor que a da Grécia é ignorada pelo mercado. Se a Grécia sai, por que não outro?”, aponta.

O especialista acrescenta que uma consequência que já começa a ser vista desde agora nos países com economia mais frágeis da zona do euro é um aumento de juros, para tornar os títulos de suas dívidas mais atraentes a investidores assustados.

Isso poderia afetar o Brasil?
Santos aponta que uma sequência de dificuldades impostas à União Europeia poderia prejudicar países que são parceiros comerciais do Brasil, em um momento em que o país passa por uma necessidade de aumentar suas exportações. “Se a Grécia, sai você teria problemas na economia europeia, e a economia europeia é um parceiro comercial importante para a economia do Brasil. E o Brasil precisa fundamentalmente ampliar suas exportações”, resume.

Wilber Colmerauer, diretor do Emerging Markets Funding, afirmou à BBC que o Brasil, "por estar em uma situação econômica complicada, está na linha de frente dos países que podem sofrer com qualquer marola na economia internacional".

Como ficaria a situação econômica da Grécia fora da zona do euro?
“A maioria dos analistas acham que, independente do que vai acontecer aos outros [países], para a Grécia vai ser um desastre. Muita gente acha que vai ser o caos, corrida aos bancos, e muito provavelmente o governo vai cair”, diz Ricupero.

“Se acontecer o pior, eles vão revelar os mesmos defeitos que revelaram até agora: dificuldade de consenso político e de fazer reformas, um sistema político muito ruim, falta de qualidade na macroeconomia. Para poder sobreviver a uma coisa traumática como seria essa, teria que haver um governo excepcionalmente qualificado que, se existisse, os gregos não estariam nessa situação em que estão agora”, avalia o especialista.

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